O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) retoma os julgamentos na próxima semana com quase dois mil processos na pauta. Estarão sob análise discussões importantes e bilionárias, como ágio, juros sobre capital próprio e trava de 30%, o que deve atrair um exército de advogados. Todas as turmas e câmaras superiores do órgão funcionarão ao mesmo tempo.
A retomada do Carf estará sob os olhares do Planalto. No discurso de posse, em janeiro, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, chegou a afirmar que “o equilibrado encaminhamento do contencioso tributário é um poderoso instrumento para a conformidade e estímulo à eficiência das boas empresas”. E na cerimônia de reabertura do Carf, em julho, disse que andava “caçando os R$ 100 bilhões que o Carf mandou”, em uma referência a processos finalizados pelo órgão, enquanto ficou fechado, em decorrência da Operação Zelotes.
Além da pauta volumosa, tributaristas estão preocupados com a “inexperiência” de parte dos julgadores, que poderão se sentir pressionados com processos de valores tão altos. A questão levou alguns advogados a pedir o adiamento de alguns casos.
“Vários de nossos casos importantes estão na pauta da semana que vem”, afirma o advogado João Marcos Colussi, do Mattos Filho Advogados. “Estaremos atentos para identificar a nova dinâmica de julgamento do tribunal. Na possibilidade de uma derrota, confiamos na Justiça.”
Já o advogado Flávio Eduardo Carvalho, do SSPLaw Advogados, chama a atenção para o fato de a maioria dos processos pautados ter como relator conselheiros representantes da Fazenda Nacional. “Isso significa que o viés dos primeiros votos serão fiscalistas e tememos que os novos conselheiros os sigam”, afirma. Por isso, para ele, o caminho da judicialização é o mais provável. Carvalho calcula haver 20 processos do escritório na pauta da semana que vem e cerca de 350 no total.
Cada turma tem oito julgadores e em algumas seis deles são novos. Um decreto publicado este ano determinou que os conselheiros representantes dos contribuintes não podem atuar como advogado. O fato levou a um desligamento em massa da maior parte dos conselheiros que advogavam. Por isso, foi feita uma nova seleção. “Colocar temas tão complexos logo na primeira semana para pessoas sem experiência no Carf me parece ser uma temeridade”, afirma Luiz Paulo Romano, advogado do Pinheiro Neto Advogados.
Apenas uma empresa que é cliente do escritório Bichara Advogados tem dez processos na pauta, segundo o advogado Sandro Machado dos Reis. Ele e sua equipe finalizam memoriais para entregar aos novos conselheiros. “Uma das regras que adotamos é apresentar esse material em todos os casos do escritório e pedir sustentação oral nos mais complexos ou de valor expressivo”, diz.
Um dos casos de ágio que está na pauta é o da privatização da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe). Os autos de infração questionados pela empresa exigem créditos tributários referentes ao IRPJ e à CSLL entre 2007 e 2008. Em procedimento fiscal anterior, realizado entre 2001 e 2006, a fiscalização acusou a empresa de ter deduzido indevidamente, na apuração da base de cálculo dos tributos, amortização de ágio, dedução que se manteve em 2007 e 2008.
Outro tema destacado é o da trava dos 30% para compensação tributária com prejuízos fiscais de IRPJ e base de cálculo negativa da CSLL. O assunto aguarda julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em repercussão geral. Apesar de não haver uma posição consolidada na Justiça, no Carf há um precedente desfavorável às empresas da Câmara Superior.
Um dos recursos que discute o assunto e está na pauta da próxima semana é do Banco Santander. No caso concreto, não é a limitação da trava dos 30% que é discutida apenas, mas também a possibilidade de o limite não ser observado, em decorrência da extinção da empresa por meio da incorporação.
Em relação aos juros sobre capital próprio, um dos casos na pauta é da Alcoa. Nele, a companhia discute uma autuação fiscal que recebeu por ter deduzido juros pagos em 2007 do lucro real tributável pelo IRPJ e a CSLL.
Na retomada, porém, o conselho não julgará, necessariamente, cada um dos 1.982 recursos. O regimento do órgão prevê que quando existir vários recursos com fundamento em questão de direito idêntica, o presidente de turma poderá sortear um processo para defini-lo como paradigma, como já ocorre no Superior Tribunal de Justiça (STJ) em relação aos recursos repetitivos. Assim, aos demais, será aplicado o mesmo resultado de julgamento.
Para o advogado Felipe Kneipp Salomon, do Levy e Salomão Advogados, desde que os advogados possam apresentar sustentação oral nos julgamentos, não haverá prejuízo na análise em bloco.
Além disso, os conselheiros podem pedir vista nos casos em que ainda não tiverem segurança para julgar. Segundo o novo regimento interno, nessas situações, o processo deve ser julgado na sessão seguinte, em cerca de 20 dias. A partir do segundo pedido de vista, a analise será coletiva e nenhum outro conselheiro poderá suspender o julgamento.
Por Laura Ignacio e Beatriz Olivon | De São Paulo e Brasília
Fonte: Valor Econômico – 01/12/2015.