O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) completou seis meses sem julgamentos neste mês, em meio a um escândalo de venda de votos e lavagem de dinheiro. Além do evidente prejuízo às partes de processos, a paralisação alterou a rotina de escritórios de advocacia. Apesar de não citarem demissões, advogados narram que a queda no volume de trabalho levou bancas a remanejar ou trocar funções de advogados que, até então, atuavam no tribunal administrativo.
A suspensão dos julgamentos, determinada no dia 31 de março pelo Ministério da Fazenda após a deflagração da Operação Zelotes, não interrompeu por completo as atividades do órgão. De acordo com advogados da área, ainda são necessários profissionais para interpor recursos contra autuações da Receita Federal e para levar ao Carf questionamentos contra decisões das Delegacias Regionais de Julgamento (a primeira instância administrativa para discutir cobranças do Fisco).
Tem ocorrido ainda a rejeição de embargos de declaração, formalização de decisões e a negativa de recursos à Câmara Superior do Carf, responsável por pacificar o entendimento do tribunal. Tributaristas têm encontrado dificuldades para recorrer e se deparado com a publicação de acórdãos sem fundamentação.
Remanejamentos
Especialista em contribuição previdenciária, o advogado Caio Taniguchi, do Aidar SBZ Advogados, que acompanha as sessões do Carf desde 2008, foi um dos profissionais atingidos pela paralisação. O tributarista diz que após a suspensão dos julgamentos saiu do contencioso, e passou para a área consultiva. “Ainda existe trabalho, mas com a diminuição é preciso buscar outras áreas”, afirmou.
Taniguchi diz que não ocorreram demissões em seu escritório, e que não ouviu colegas narrando desligamentos. Segundo o advogado, como existe a perspectiva de volta do conselho, não é vantajoso para as bancas de advocacia demitir os profissionais especializados nas atividades do Carf.
O advogado Eduardo Pugliese, do escritório Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz Advogados afirma que também ouviu casos de deslocamento de profissionais que cobriam Carf. Segundo ele, os escritórios mais prejudicados foram aqueles muito setorizados, com advogados contratados para acompanhar apenas julgamentos de determinadas áreas do Carf.
Apesar do remanejamento de funções, a situação não é pior para o mercado de advocacia porque o Carf não interrompeu por completo suas atividades. As Delegacias Regionais de Julgamento (DRJs), instância que antecede o Carf, ainda estão em funcionamento, e são necessários profissionais para preparar os recursos em casos de autuações de clientes. Da mesma forma, são necessários advogados para recorrerem de eventuais decisões desfavoráveis nas DRJs ao Carf.
Acórdãos de julgamentos finalizados antes da paralisação do Carf têm sido publicados, e o tribunal continua analisando a admissibilidade de recursos especiais à Câmara Superior do conselho, responsável por pacificar a jurisprudência em casos de divergências entre as turmas. No último caso, entretanto, advogados narram dificuldades em recorrer à eventuais negativas, já que não existem turmas de julgamento formadas.
Já em relação à formalização de acórdãos, um episódio ocorrido recentemente demonstra o impacto da paralisação dos julgamentos nas atividades do conselho. No dia 23, foi publicada no Diário Oficial da União uma decisão que tem como base apenas uma ata de julgamento, formalizada poucas semanas antes da deflagração da Operação Zelotes.
O fato ocorreu porque o relator do caso saiu do Carf sem deixar no sistema do tribunal os fundamentos do voto e o histórico da autuação fiscal. Com isso, a solução foi formalizar o acordão apenas com base nas discussões realizadas no dia do julgamento, contidas na ata da sessão.
Dossiê
Sem previsão de retorno do Carf, advogados narram ainda a necessidade de lidar com a ansiedade dos clientes que possuem processos administrativos. “Em um primeiro momento a pergunta [dos clientes] era quando o Carf vai voltar. Agora é como será que o Carf volta”, diz Taniguchi.
De acordo com o tributarista, clientes se preocupam com a possibilidade de alteração de jurisprudência com a mudança na composição das turmas. “Muitos ligam para saber sobre a manutenção da probabilidade de êxito do passado”, afirma.
A ansiedade também foi notada pelo escritório Mattos Filho, uma das bancas mais atuantes no conselho. Segundo o advogado Roberto Quiroga, a banca optou por fazer dossiês sobre os principais temas em tramitação no conselho, que serão entregues aos novos conselheiros quando voltarem os julgamentos.
Segundo Quiroga, nos documentos constarão temas como aproveitamento de ágio, stock options e juros sobre capital próprio. “Vamos separar acórdãos favoráveis e desfavoráveis e toda a doutrina dos casos”, afirma o sócio do escritório.
Também do Mattos Filho, o advogado João Marcos Colussi afirma que a demora para a retomada dos julgamentos preocupa principalmente empresas de capital aberto que possuem grandes discussões administrativas. Isso porque, dependendo da tese e da probabilidade de êxito, as companhias podem ter que constituir provisões ou indicar em seus balanços a existência dos processos.
Mesmo assim, Colussi diz que nenhum cliente optou por abrir mão da esfera administrativa e ir direto para o Judiciário ou entrar em algum programa de parcelamento unicamente porque o Carf está paralisado.
Nas mãos do Congresso
A reabertura oficial das sessões do Carf – que teve a presença de diversas autoridades como o ministro da Fazenda, Joaquim Levy – vai completar dois meses no dia 3 de outubro sem que o governo tenha segurança sobre quando poderá retomar os julgamentos no tribunal.
Ao instituir uma remuneração aos conselheiros representantes dos contribuintes, o governo jogou nas mãos do Congresso o controle sobre a data de retomada. Pende de votação no Legislativo o projeto de lei que libera mais de R$ 5 milhões do orçamento para pagar os novos julgadores. A proposta, porém, só pode ser apreciada pelos parlamentares após a análise de todos os vetos do Executivo.
Fonte: Jota – Bárbara Mengardo, Brasília – 29/09/2015.