Contribuintes estão tendo que percorrer um caminho mais longo para a permissão de um instrumento que, antes do novo Código de Processo Civil (CPC), era comumente utilizada na Justiça. Trata-se da chamada medida cautelar inominada – ação usada para antecipar as garantias de futuras execuções fiscais, de forma a liberar a expedição de certidão de regularidade fiscal.
Antes do novo código não havia dúvidas sobre esse instrumento. Era prática de contribuintes que se encontram em uma situação de limbo: entre o fim do processo administrativo e a execução da dívida. Isso porque nesse meio tempo – que pode levar meses -, sem garantir o débito, o contribuinte fica impedido de renovar a sua certidão de regularidade fiscal.
A cautelar era tida, então, como uma forma de se antecipar à ação da Fazenda. O contribuinte conseguia oferecer a garantia (bens ou seguro, por exemplo) e ter acesso à certidão fiscal, que é essencial ao exercício regular das suas atividades, sem discutir se aquele débito era de fato ou não devido.
Depois, quando a execução fosse proposta pela Fazenda, tal garantia era simplesmente transferida da cautelar para a ação.
Com a entrada em vigor do novo CPC, no entanto, alguns juízes passaram a vetar o instrumento. A explicação é que, na mudança de legislação, o pedido cautelar não poderia mais ser feito de forma autônoma. Pelas regras do novo CPC deveria ser formulado no mesmo processo do pedido principal – com um intervalo de 30 dias entre um e outro.
Uma empresa do setor de alimentos passou por essa situação na Justiça paulista. Ela teve o pedido de cautelar negado na primeira instância sob o argumento de que “inexiste previsão legal” para tal e precisou ir ao tribunal para conseguir que a sua garantia fosse aceita antes do processo de execução.
Em um outro caso, envolvendo uma companhia da área de saúde, o caminho foi ainda mais longo. Ela teve a cautelar negada na primeira e na segunda instância da Justiça Federal. Só obteve sucesso após um pedido de reconsideração à desembargadora Consuelo Yoshida, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região.
“A cautelar autônoma satisfativa, como existia antigamente, não consta mesmo no novo Código. Mas também não constava de forma clara no antigo CPC”, diz o representante da companhia no caso, o advogado Breno Ferreira Martins Vasconcelos, do escritório Mannrich Senra Vasconcelos. “Mas ao mesmo tempo não é justo que, para exercer o seu direito, o contribuinte dependa da ação de um outro, no caso a Fazenda”, acrescenta.
A discussão administrativa, nesse caso, havia se encerrado em novembro do ano passado e a execução fiscal, até agora, não foi proposta pela Fazenda. Ou seja, o chamado período de limbo, que já se estende por oito meses, é maior do que o exigido para a renovação da certidão fiscal (seis meses).
No pedido de reconsideração, a desembargadora Consuelo Yoshida levou em conta a argumentação do advogado sobre a cautelar inominada ter sido construída de forma jurisprudencial e doutrinária. O representante da companhia citou acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 2009, cuja a relatoria foi do hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux (Resp 1.123.669/RS).
“Não pode ser imputado ao contribuinte solvente, isto é, aquele em condições de oferecer bens suficientes à garantia da dívida, prejuízo pela demora do Fisco em ajuizar a execução fiscal para a cobrança do débito tributário”, afirmou Fux na época.
Esse acórdão é considerado como paradigma por especialistas. A partir dele o assunto foi dado como pacificado e as cautelares inominadas passaram a ser aceitas com facilidade no Judiciário.
Especialistas na área, Luca Salvoni e Rafael Vega, do escritório Cascione, Pulino, Boulos & Santos, entendem que continua valendo a jurisprudência. Eles dizem que as cautelares, de maneira geral e seguindo as normas do CPC antigo, também deveriam servir a um processo principal – tal qual como consta no novo código. Mas que a chamada cautelar inominada, especificamente, não se trata de uma cautelar típica.
“Estamos falando de uma cautelar em que o réu está se antecipando à ação principal do autor”, destaca Rafael Vega. “Ou seja, temos um problema que não está tutelado no código, mas que ao mesmo tempo não é solucionado por nenhuma outra alternativa. Significa, então, que essa ação tenha que deixar de existir? Me parece que não”, pondera.
O que se vê nesse período de mudança de legislação, segundo os advogados, é uma série de ações com os mesmos fundamentos e o mesmo objetivo, mas com nomes variados. “Tem quem prefira não usar cautelar porque, pelo novo código, não existe mais essa nomenclatura”, complementa Vega.
O advogado Fabio Kurtz, do escritório Siqueira Castro, por exemplo, tem dado preferência ao novo termo: pedido de tutela em caráter antecedente. Ele diz que apesar de o CPC estabelecer prazo de 30 dias para a apresentação da ação principal, a maioria dos juízes não está obrigando que isso, de fato, ocorra nos casos de antecipação das garantias ao Fisco. “Mudou a nomenclatura, mas não mudou a forma de atuação”, afirma.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou que está finalizando estudo para viabilizar a aceitação da antecipação de garantia – para fins de concessão de Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa.
É analisada, por exemplo, a possibilidade de criação de um serviço que seria disponibilizado na internet e permitiria a solicitação de ajuizamento imediato do executivo fiscal, bem como o oferecimento, desde logo, da garantia.
“A iniciativa está alinhada com o projeto de nova Lei de Execuções Fiscais, que pretende atribuir nova feição ao processo de execução fiscal, tornando-o mais racional, célere e efetivo, prevendo importantes avanços na garantia dos direitos dos contribuintes”, informou a PGFN, por meio de nota.
Fonte: Valor-03/07/2017
Por Joice Bacelo | De São Paulo