Contribuintes que quitaram seus débitos por meio do Refis da Crise, de 2009, estão sendo obrigados a recorrer à Justiça para cancelar suas inscrições na dívida ativa da União. O problema atinge principalmente empresas que migraram de parcelamentos anteriores. O sistema da Receita Federal não consegue consolidar o que foi pago nesses programas com as quantias depositadas no Refis.
Uma das decisões, proferida pela 5ª Vara Cível Federal de São Paulo, beneficia uma construtora. O contribuinte pagou parte do que devia em parcelamento de 2000. O restante foi quitado à vista por meio do Refis da Crise, em 2011. Porém, não houve consolidação dos dados pelo sistema da Receita Federal, o que geraria dificuldades para a obtenção de certidão negativa de débitos (CND).
No processo, a Fazenda Nacional reconheceu os pagamentos. Contudo, defendeu que não poderia cancelar as certidões de dívida ativa indicadas pela construtora porque o seu sistema ainda não possui ferramenta que permita o encerramento do parcelamento efetuado com a imputação dos valores já pagos, “razão pela qual as inscrições permanecem ativas”. Além disso, argumentou que o fato não causa qualquer prejuízo à empresa, que poderia obter certidão positiva com efeitos de negativa.
Ao analisar o caso, o juiz considerou que a própria União reconheceu que a dívida já foi quitada e que a Lei nº 11.941 admite a amortização do que já foi pago em outros parcelamentos. Para o magistrado, a Fazenda Nacional teria que cumprir o prazo de 360 dias para a publicação de decisões administrativas, previsto na Lei nº 11.457, de 2007. ” A autora comprova que realizou a quitação dos valores devidos em dezembro de 2011, ou seja há mais de dois anos, e até o presente momento os débitos permanecem inscritos em dívida ativa, impossibilitando a certidão negativa de débitos”, diz na sentença.
O juiz ainda ressalta na decisão que a companhia quitou a dívida à vista ” não sendo razoável que permaneça com os débitos inscritos em dívida ativa”. Com a sentença, além de conseguir cancelar as inscrições, o contribuinte obteve a liberação das garantias apresentadas à Fazenda Nacional.
Em uma outra sentença da 3ª Vara Federal de Londrina também ficou reconhecido pela União que o sistema do Refis de 2009 não tem dado baixa nos pagamentos efetuados. A ação foi ajuizada por um antigo sócio-gerente de uma construtora, que foi responsabilizado em ação penal por não recolhimento de contribuições previdenciárias entre 1998 e 2000.
Segundo o processo, os valores referentes a essa autuação fiscal já foram pagos. A Fazenda, porém, alegou que o montante recolhido não quitaria a dívida total da construtora e que, por isso, manteve as inscrições. Isso porque o artigo 69 da Lei que instituiu o Refis da Crise – Lei nº 11.941, de 2009 – deixa expresso que só dará a extinção do parcelamento quando houver o pagamento integral.
Ao analisar o caso, o juiz Décio José da Silva entendeu que, quando o contribuinte tem mais de uma dívida com o Fisco, não cabe a ele escolher qual vai pagar, mas à autoridade administrativa, com base na ordem estabelecida no artigo 163 do Código Tributário Nacional (CTN). O magistrado, então, acolheu parcialmente o pedido do contribuinte para determinar que a Fazenda observe os pagamentos efetuados e impute quais dívidas já foram quitadas, com base nos critérios estabelecidos no CTN.
Para o advogado tributarista, Marcelo de Lima Castro Diniz, do LCDiniz & Advogados Associados, que atua nos dois casos, essa falha no sistema da Receita Federal têm prejudicado diversos contribuintes. “As empresas e as pessoas envolvidas ficam com a vida presa por conta disso”, diz. Segundo o advogado, ainda que se consiga tirar a certidão positiva com efeitos de negativa, essa pendência prejudica o contribuinte. “É como se as dívidas ainda existissem. Isso pode comprometer até mesmo o balanço das empresas.”
Além de permanecerem com as inscrições na dívida ativa, essas companhias são prejudicadas com a indisponibilidade de bens e garantias apresentados nos processos de execução, segundo o advogado Alessandro Mendes Cardoso, do escritório Rolim, Viotti & Leite Campos. “O custo para manter essas garantias no processo é alto”, afirma.
Cardoso lembra que o Órgão Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que essas garantias devem ser mantidas até a quitação integral do parcelamento. “O contribuinte que já quitou não pode ser prejudicado pelo sistema da Receita”, diz o advogado.
Essas falhas no sistema têm sido bastante comuns, segundo o advogado Marcelo Annunziatta, do escritório Demarest Advogados. “É um absurdo o Fisco se escorar no problema do sistema para não extinguir de forma definitiva débitos já pagos no Refis”, afirma. Para ele, as dívidas devem ser extintas na medida em que os pagamentos forem realizados.
Procuradas pelo Valor, a Receita Federal e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informaram, por meio de suas assessorias de imprensa, que não iriam se manifestar sobre o assunto.
Fonte: Valor Economico
Por Adriana Aguiar | De São Paulo
08/12/2014 às 05h00