O passivo tributário em discussão na esfera administrativa federal soma aproximadamente R$ 620 bilhões – equivalente a 12% do Produto Interno Bruto (PIB). O valor foi divulgado ontem, na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), pela economista Lorreine Messias, da LCA Consultores, e é resultado, segundo especialistas, do complexo sistema tributário brasileiro e da falta de uniformidade na interpretação e aplicação das normas por parte dos fiscais da Receita Federal.
Para os advogados que participaram do debate “O aumento do passivo tributário – causas e soluções”, um dos problemas é a falta de diálogo com a Receita Federal. “Não existe um mecanismo formal de diálogo. Só há a autuação”, afirmou Luis Roberto Peroba, do Pinheiro Neto. Segundo ele, não há, na esfera tributária, um termo de ajustamento de conduta, por exemplo, ou uma mediação – o que leva os contribuintes à Justiça ou à esfera administrativa.
Na pesquisa, elaborada com dados da Receita Federal para sua especialização em direito tributário, Lorreine mostra que, nas delegacias de julgamento da Receita Federal, os tributos mais discutidos são o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que respondem por 47,5% do contencioso tributário. Na sequência, está o PIS/Cofins, com 17,8%, e as contribuições previdenciárias, com 8,1%.
“Existe uma indústria do contencioso tributário e os principais combustíveis são a lei complexa, a falta de transparência e a omissão da autoridade pública em dizer como aplicar a lei”, afirmou Eurico de Santi, professor da FGV Direito-SP, que cobrou mais transparência e criticou o sigilo fiscal dos autos de infração. “A empresa nem sabe se o concorrente paga o mesmo ou não. No Brasil, é uma caixa preta. O sigilo fiscal acoberta quem paga e quem não paga. Divulgar os autos de infração seria uma forma de construir segurança jurídica sem mudar a lei”.
Para o presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Otacílio Dantas Cartaxo, “mais importante do que atuarmos para reduzir estoques de processos em andamento é estancarmos a fonte de litígios”. O conselho julga os recursos dos contribuintes contra autuações fiscais.
Só no Estado de São Paulo, até novembro, 14,6 mil autos de infração foram lavrados, de acordo com a Secretaria da Fazenda do Estado. Nos últimos cinco anos, a média foi de 17 mil autos por ano. Para o presidente do Tribunal de Impostos e Taxas de SP (TIT), José Paulo Neves, é possível reduzir a litigiosidade por meio de uma reforma tributária “que implique distribuição de tributos aos entes federados de forma mais equânime”.
De acordo com Neves, os tribunais administrativos também podem ajudar a reduzir essa litigiosidade. Para isso, acrescenta, “é importante investir na transparência da atuação dos órgãos administrativos”.
Os autos de infração são sigilosos, segundo Oswaldo Santos de Carvalho, da Coordenadoria da Administração Tributária (CAT) da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, em razão do artigo 198 Código Tributário Nacional (CTN).
A Receita Federal, de acordo com subsecretário de Tributação e Contencioso, Paulo Ricardo de Souza Cardoso, não teria dificuldades em divulgar os autos de infração. Mas é impedida pelo mesmo artigo. “Operacionalmente não temos problema. Só que há uma restrição legal”, afirmou. “Nós não gostamos de contencioso, até pelo o que ele provoca na própria gestão da administração tributária”, acrescentou, destacando ser necessário diferenciar os litígios cabíveis dos protelatórios.
Uma das maneiras pelas quais o Fisco busca ser transparente é por meio das soluções de consulta, segundo Maria de Fátima Cartaxo, diretora-geral da Escola de Direito de Brasília (EDB). Ela considerou essas consultas um instrumento importante para a prevenção dos litígios, por indicarem o entendimento do Fisco. “Administrações tributárias modernas entenderam que um ambiente de maior cooperação entre Fisco e contribuinte aumenta a eficácia”, afirmou.
Bernard Appy, da LCA Consultores, porém, cobrou clareza do Fisco em sua interpretação da lei, sem que as empresas tenham que fazer consultas. “Há uma questão fundamental, obviamente, de simplificar o sistema tributário”, afirmou. Para ele, uma solução poderia ser a separação da Receita Federal responsável pela formulação das normas tributárias da responsável pela arrecadação.
Fonte: Valor Economico
Por Beatriz Olivon | De São Paulo
04/12/2014 às 05h00