Tributaristas reclamam de falta de clareza no critério para taxar dinheiro. Receita quer cobrar imposto sobre recursos que não estão mais na conta

A baixa adesão ao programa que regulariza os bens de brasileiros no exterior reflete a falta de clareza em relação à Lei de Repatriação, avaliam tributaristas ouvidos pelo G1. O principal entrave é na chamada regra da “foto” ou “filme”, que determina o valor do tributo cobrado sobre o dinheiro e patrimônio não declarados.
Em vez de pagar os tributos sobre os recursos recebidos até 31 de dezembro de 2014 (o “filme”), regra defendida pela Receita, muitos brasileiros com dinheiro no exterior preferem pagar o tributo em relação ao saldo naquela data (a “foto”), regra defendida por tributaristas e membros do Congresso. Pela lei em vigor, o critério não está claro, dizem os especialistas.
A menos de um mês para o fim do prazo, a Receita Federal arrecadou R$ 8,5 bilhões em impostos e multas, um terço do valor previsto. Com tributos pagos por meio do programa, R$ 28,5 bilhões em recursos não declarados no exterior foram repatriados até então. A adesão pode aumentar se o Congresso aprovar regras que “descomplicam” a lei atual.
A Lei de Repatriação promete “perdoar” quem informar recursos não declarados em outros países e pagar 15% de imposto, mais uma multa de 15% até 31 de outubro. O objetivo é gerar uma receita extra para o governo e garantir, em troca, que o contribuinte não seja punido por crimes como sonegação e evasão de divisas.

“Foto” ou “filme”

A Câmara pode votar na segunda-feira (10) a proposta que muda essa forma da cobrança. Pela regra da “foto”, quem recebeu em 2012 uma herança de US$ 100 mil do avô nos Estados Unidos e gastou US$ 70 mil pagaria imposto e multa apenas sobre o que restou (US$ 30 mil) em 31 de dezembro de 2014, e não sobre o valor consumido.
Na visão da advogada tributarista Valdirene Lopes Franhani, do escritório Braga & Moreno, a cobrança sobre a “foto” estimula a adesão ao programa porque reduz o custo da repatriação para quem gastou o dinheiro no exterior. “Essa discussão sobre o ‘filme’ ou ‘foto’ fez muita gente recuar”, explica.
O tributarista Fernando Osório de Almeida diz que a mudança é necessária porque a lei não é clara. “Há dúvidas sobre a partir de qual período é preciso declarar, já que o prazo de prescrição de crimes fiscais é diferente para evasão de divisas e sonegação de impostos”, questiona.
Para Valdirene, a alíquota de 15% somada à multa é alta em relação à cobrada em países como Argentina e Itália em casos de repatriação. Esse custo desestimula a adesão ao programa, em sua opinião.
Já o tributarista e especialista em contas públicas Maxwell Ladir Vieira acredita que o custo dessa repatriação no Brasil não se distancia muito do Imposto de Renda para pessoas físicas, que tem alíquota de até 27,5%.

Anistia para políticos

A arrecadação abaixo do esperado também se explica porque políticos e ocupantes de cargos públicos passaram a ser proibidos de aderir ao programa. O objetivo é evitar que envolvidos em investigações de corrupção como a Lava Jato recebam anistia, aponta Vieira.
Para o especialista, a receita seria muito maior com a inclusão dos políticos, mas a repercussão social por anistiar possíveis crimes contra o patrimônio público seria extremamente negativa. “Essa questão não foi bem recebida pela população e a discussão esfriou”, diz Vieira.
O tributarista Osório de Almeida defende que a lei não deve misturar pessoas físicas comuns com possíveis envolvidos em crimes com consequências penais. “São situações muito diferentes. A maioria é de pessoas que receberam alguma herança ou possuem empresas offshore (fora do país), o que é legal”, explica.

Burocracia

A complexidade das regras e documentos exigidos também tem dificultado a entrega da declaração, esclarece Valdirene, do Braga & Moreno. O escritório tem levado entre 25 e 40 dias para regularizar a situação de cada cliente. “Quem começou a declarar agora já está atrasado [levando em conta o prazo de 31 de outubro]”, diz.
Para dar mais tempo aos contribuintes, a Câmara também pode estender o prazo por mais 15 dias, até 16 de novembro. Mas o tributarista Osório de Almeida considera essa prorrogação ainda insuficiente para aumentar as adesões. “A lei ainda gera muitas dúvidas”, comenta.

Efeito nas contas públicas

O governo conta com o dinheiro da repatriação como uma das principais fontes de receita extra para melhorar o resultado fiscal deste ano. A meta para este ano é de um déficit de R$ 170,5 bilhões.
Segundo o Ministério do Planejamento, a arrecadação até 22 de setembro havia sido de R$ 6,2 bilhões. A Receita informou que de abril a 30 de setembro foram declarados R$ 28,5 bilhões em recursos repatriados, gerou R$ 8,5 bilhões em tributos e multas.
Esse dinheiro será usado para reforçar o caixa do governo e dispensa a necessidade de cortes no Orçamento para cumprir a meta fiscal deste ano, segundo o Planejamento.
O especialista em contas públicas Vieira acredita que o valor arrecadado até agora é “muito baixo” para salvar as contas públicas. “O governo vai ter que tirar esse dinheiro de outro lugar e isso pode gerar um impacto negativo não só para o Orçamento mas perante as agências de classificação de risco”, avalia.
No ano passado, o então ministro Joaquim Levy chegou a prever uma arrecadação entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões com a repatriação no projeto do Orçamento. A Receita informou ao G1, contudo, que a atual previsão de arrecadação com a lei é de R$ 25 bilhões.

Entenda a regra

A lei, aprovada no fim de 2015 e sancionada em janeiro pela então presidente Dilma Rousseff, permite a repatriação de dinheiro e outros bens mantidos por brasileiros no exterior e não declarado à Receita Federal.
O contribuinte pode regularizar sua situação e manter os recursos lá fora. Os detentores de cargos públicos continuam podendo ser processados na área penal em relação aos crimes de sonegação, lavagem de dinheiro, apropriação indébita, entre outros crimes tributários. Os contribuintes que optarem pela repatriação ficam livres desse risco.
A Receita Federal informou ainda que não pode optar pelo programa de repatriação de recursos quem tiver sido condenado em ação penal, ainda que a sentença não tenha transitado em julgado (quando não cabem mais recursos).
No fim de julho, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, chegou a dizer que o governo não pretendia alterar a lei.
Taís Laporta

 

Fonte: G1, em São Paulo – 09/10/2016.

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