Acórdãos recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mostram que o colegiado está se movimentando para criar critérios cada vez mais bem definidos sobre indenizações de dano moral em matéria de direito do consumidor.
Em acórdão do dia 14 de março, um dos mais recentes sobre o tema, a ministra Maria Isabel Gallotti sinaliza que a multiplicação dos pedidos de indenização pode ser um problema. “A banalização do dano moral, em caso de mera cobrança indevida (…) aumentaria o custo da atividade econômica, o qual oneraria, em última análise, o próprio consumidor”, afirma ela.
A conclusão da ministra foi dada no Recurso Especial (REsp) 1.550.509, que transitou em julgado no começo do mês, para negar a indenização de dano moral pedida por um consumidor que teve um lançamento indevido de R$ 835,99 na fatura do cartão de crédito. No acórdão, a ministra destacou que o consumidor questionou apenas um dos vários lançamentos.
“Não se trata de cartão expedido sem solicitação do consumidor” afirmou a ministra Maria Isabel. Tampouco houve alegação de que o banco emissor do cartão tenha insistido na cobrança do lançamento indevido após o questionamento feito pelo cliente, disse a magistrada.
Nesse cenário em que não ficou constatada conduta de maior gravidade por parte do banco, a ministra passou a avaliar se o lançamento indevido, em si, poderia ser motivo para um pedido de dano moral. Para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de onde veio o caso, a resposta era afirmativa. Já no Tribunal de Justiça de São Paulo, havia decisões em sentido contrário.
Em casos parecidos, quando houve cobrança indevida e posterior inscrição em cadastro de inadimplentes (como Serasa e SCPC), Maria Isabel apontou que o STJ já firmou jurisprudência no sentido de que o dano moral é devido. “Isso porque a publicidade decorrente de tais cadastros atinge direito da personalidade (imagem e honra)”, afirmou.
Além da inscrição em cadastro de inadimplentes, o STJ também já se posicionou favorável a pedidos de dano moral no caso de protesto em cartório, ameaças descabidas, coação, constrangimento e descrédito. Mas sem tais práticas, a ministra destacou que, isoladamente, a cobrança indevida não configura dano moral.
No acórdão, ela também aponta que o STJ já proferiu algumas decisões nesse sentido em situações similares. Problemas com saque bancário, bem como a cobrança indevida de serviços não contratados e outras falhas na prestação de serviços financeiros, por si só, também não resultariam em dano moral. A jurisprudência citada é não apenas da 4ª Turma do STJ, da qual Maria Isabel faz parte, mas também da 3ª Turma. No tribunal superior, só as duas turmas julgam matéria de consumidor.
Banalização
A sócia do Demarest Advogados, Maria Helena Bragaglia, aponta que aos poucos os tribunais têm passado a diferenciar as situações em que há mero aborrecimento por parte do consumidor dos casos em que há dano à honra subjetiva ou à reputação da vítima.
Ela também observa que num passado recente houve grande banalização dos pedidos de indenização. “Dano moral é como batata frita no McDonald’s: acompanha todo pedido”, diz ela em analogia.
Até por erro dos magistrados, a advogada afirma que mesmo nos casos de mero aborrecimento os clientes estavam sendo “agraciados” com as indenizações de dano moral. Para ela, o acórdão do STJ mostra surge maior parcimônia na concessão das indenizações. “Nesse caso, o tribunal entendeu que apesar da cobrança indevida, não houve consequência maior a não ser a ação judicial no sentido de pedir o reembolso”, afirma.
Maria Helena também esclarece que a decisão em questão não traz nenhum obstáculo para que o consumidor consiga o reembolso de um valor que foi pago de forma indevida por erro do banco. Nessa situação, ela diz que o debate é outro: dano material. “Se o consumidor pagou [indevidamente] um valor a mais, pode pedir o reembolso com indenização, juros e correção monetária”, afirma a advogada.
Nos pedidos de dano moral, contudo, ela reforça que é preciso comprovar o dano à honra subjetiva do consumidor. O que o STJ faz no acórdão em discussão, aponta a advogada, é tentar delimitar o conceito diante das situações práticas. “Eles estão colocando o dano moral dentro de uma caixa conceitual. É uma questão de doutrina. O Código [de Defesa do Consumidor] não conceitua o que é dano moral”, diz ela.
A sócia do Demarest reforça, por outro lado, que apesar da tentativa de fixar critérios mais objetivos para o caso de dano moral é sempre necessário que a avaliação ocorra caso a caso. “É preciso sempre olhar para a situação na prática. Às vezes uma pessoa pode até ser mais suscetível do que outra, ter um grau diferente de irritação.”
Roberto Dumke
Fonte: DCI – legislação & Tributos – 25/04/2016.