Nos últimos cinco anos, a Receita Federal aplicou cerca de R$ 184 bilhões em autuações fiscais a contribuintes que teriam realizado operações consideradas ilícitas para economizar ou deixar de pagar impostos. São Paulo, responsável pela maior parte dessas autuações, respondeu por R$ 98 bilhões, em 1.264 autos de infração e 97 representações fiscais encaminhadas ao Ministério Público Federal (MPF) com fins penais.
Pelo perfil dessas autuações, sabe-se que a totalidade das operações fiscalizadas tem algum elemento internacional, com uso de offshores ou paraísos fiscais, presentes em cerca de 50% das operações.
O mesmo percentual reflete a participação de pessoas físicas, na figura dos sócios, CEOs e administradores nas estratégias consideradas como ilegítimas pela Receita Federal, que os beneficiaria de alguma forma. Essas características, segundo Márcia Cecília Meng, delegada da Delegacia de Maiores Contribuintes (Demac) de São Paulo, são percebidas em planejamentos de grandes contribuintes (lucro real), cujo faturamento bruto anual supere R$ 1 bilhão. Dos 9.400 contribuintes diferenciados do país, cerca de 4.500 estão situados no Estado de São Paulo.
De acordo com Márcia, buscar a economia de tributos não é ilegal, o que não seria permitido seria a “artificialidade” das estratégias adotadas e “abuso de forma”. São justamente esses termos, aliados a conceitos como dissimulação, simulação e propósito negocial que podem levar a Receita Federal a desconsiderar operações de planejamento tributário de contribuintes.
O problema, porém, é que a interpretação e aplicação desses conceitos seriam muitas vezes subjetivas, segundo advogados. Principalmente porque não há definições legais para essas concepções.
Segundo a professora e coordenadora do núcleo de direito tributário da FGV-SP, Nara Cristina Takeda, as autuações são baseadas no artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN) e na Lei Complementar nº 104, de 2001, que preveem a possibilidade de o Fisco desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo. Apesar de existir há 15 anos, essa norma ainda não foi regulamentada.
Em vista disso, a professora avalia que o contribuinte está atualmente em um cenário tenebroso. “O contribuinte precisa sempre pensar na versão que contará para análise do Fisco, caso contrário ele correrá o risco de ser autuado”, diz.
Até 1996, o que valia na avaliação da Receita era a chamada forma sobre a essência. Em outras palavras, se a lei não proibisse, não era vedado. Mas após esse período, passou a valer a essência sobre a forma que considera o propósito economico da operação. “Hoje para ter uma operação válida é preciso mostrar que não é só por motivos econômicos”, afirma.
O professor de direito tributário da Faculdade de Direito do Mackenzie, Edmundo Emerson de Medeiros, diz que há a possibilidade de a Receita desconsiderar um planejamento, mesmo que ele seja legal. Por isso, segundo ele, não há um manual de procedimento para essas operações.
É também necessário observar critérios como abuso de forma (forma jurídica atípica usada para realizar o negócio), dissimulação (esconder algo que existe), simulação (aparentar algo que não existe), abuso de direito (exercício do direito sem motivo legítimo e excessos intencionais), além do propósito negocial. Este, segundo o advogado Eduardo Fleury, é um conceito forte e que está codificado em vários países.
O sócio do Lobo & de Rizzo Advogados, Alexandre Siciliano Borges, afirma que hoje há a análise pelo Fisco da intenção das partes ao realizar determinada operação. O que é complicado porque é uma interpretação que não está escrita em lugar algum. Aliado a isso está o fato de existir uma diferença de tempo entre a Receita e as operações das empresas.
Como o Fisco tem cinco anos para autuar uma empresa, muitas vezes o procedimento adotado, na época, era admitido pela Receita ou pelo Carf. Segundo Borges, há operações usadas na década de 90, baseadas em orientações aceitas na década de 80, que passaram a ser desconsideradas pela Receita Federal.
Fonte: Notícias Fiscais – 13/07/2016.