O Supremo Tribunal Federal em recente decisão proferida em 03/02/2015 pela primeira Turma no Agravo Regimental no AI nº 631.016 reiterou o entendimento favorável às usinas sucroalcooleiras no sentido de ressarcimento devido diante da fixação de preços em valores abaixo da realidade de mercado com a ofensa do princípio da livre iniciativa e impedimento do livre exercício da atividade econômica nos moldes dos artigos 1º, IV e 170, II da Constituição Federal.

De fato, a intervenção estatal na economia, sempre deve ser analisada “cum grano salis”, ou seja, de forma cuidadosa, ponderada e diligente, especialmente para controlar a atuação do Estado em setores econômicos da sociedade.

Os casos advindos da lei 4.870/65, que fora comprovado o prejuízo no setor sucroalcooleiro com a fixação de preços pela União – Instituto do Açúcar e Álcool, destacam a responsabilidade civil do Estado (art.37, §6º, CF), nos ditames do julgamento paradigma da relatoria do ilustre Ministro Carlos Velloso, no RE nº. 422.941/ DF. Nesse julgado de 2005, fora iniciada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca da apuração de custo de produção das usinas pela Fundação Getúlio Vargas, maior que a fixação de preços pela União em desacordo com os ditames previstos no art. 9º da lei 4.870/65.

A intervenção do Estado no domínio econômico com o tabelamento de preços do açúcar e álcool, gerou na jurisprudência de quase uma década do STF, a necessidade de indenização às usinas que sofreram inúmeros prejuízos. Ainda, no tocante a esse entendimento o RE 632.644/DF da relatoria do Ministro Luiz Fux consolidou a responsabilidade objetiva do Estado diante de sua atuação com a fixação de preços dos produtos sucroalcooleiros em valores inferiores aos custos demonstrados pela FGV.

Em uma digressão acerca do tema, em matéria constitucional, podemos concluir através dos mencionados julgados do STF que a jurisprudência é pacífica no que se refere ao dever de indenizar da União, mormente ao se constatar o prejuízo ocasionado pela intervenção estatal com atos arbitrários e danosos às empresas do setor que comprovaram danos, inclusive mediante perícia técnica em instância ordinária.
Todavia, o tema é contraditório e com entendimentos díspares entre a Suprema Corte e a Corte Especial.
O Superior Tribunal de Justiça confirmou no julgamento dos embargos declaratórios do recurso repetitivo – RESP nº 1.347.136 – DF : relatoria da Ministra Assussete Magalhães, que a União deve ressarcir os prejuízos decorrentes da fixação de preços pelo governo federal para o setor sucroalcooleiro – IAA/FGV, desde que, ocorra a comprovação dos prejuízos.

De acordo com a maioria dos votos dos ministros da Corte, as usinas de açúcar e álcool que tiveram prejuízos através do levantamento dos custos de produção apurados pela FGV em desacordo com os critérios estabelecidos pela lei 4.870/1965, devem comprovar que o tabelamento dos preços estava defasado pelo Instituto de Açúcar e Álcool, ou seja, que o custo da produção estava acima do preço tabelado pela União.

Com isso, os ministros finalizaram o entendimento que a indenização é devida mediante existência de dano efetivo causado pelo tabelamento. A divergência se manteve, eis que alguns ministros da Corte mantinham a fundamentação de prescindibilidade de prova pericial, como p.ex. livros contábeis, eis que existiu no caso a confirmação da responsabilidade objetiva do Estado diante da fixação de valores aquém do custo de produção.

A divergência invocou, assim, o paradigma do STF – RE 422.941-DF que supostamente estabelecia critério de apuração do valor devido pela União às usinas. Entretanto, a maioria consolidou o entendimento de que é indispensável a demonstração de documentos idôneos que comprovasse a existência do dano causado pelo tabelamento de preços praticados pelo IAA.
É de se afirmar que o STJ, concluiu ainda, pela possibilidade da aplicação da teoria do “dano zero”, é dizer, entenderam por maioria, que no caso específico houve uma condenação condicional da União em primeira instância que reconheceu o direito de indenizar as usinas, mas, a Corte especial, concluiu que algumas usinas não apuraram o dano efetivo por inexistir comprovação do “quantum debeatur” ou a quantia devida.

Os Ministros definiram que a indenização é devida desde que, exista provas das usinas que contextualize a realidade do processo e o prejuízo decorrente da Intervenção do Domínio Econômico da União com a fixação de preços fora dos ditames da Lei 4.870/65.

Não obstante, o voto da relatora ressaltou que o “mero descumprimento da lei” não pode ser parâmetro para quantificar o efetivo valor devido pelo Estado às usinas. Nesse ponto especial, entendemos que o caso merece uma atenção no tocante à aplicabilidade do princípio da segurança jurídica.

Tal princípio deve evitar discrepâncias de decisões que garantiram o direito de indenização às usinas para se ressarcirem de prejuízos, mas estas não possuem meios de resgatar documentos antigos para comprovar o efetivo valor devido. Tal princípio deve ser alcançado para nortear a padronização das decisões da Corte Especial, sem se olvidar do norteamento da razoabilidade que permite no caso específico concluir pela não discussão da liquidação da sentença, mas a constatação em si da existência de um dano cujo mérito já fora analisado pelo STF no RE 422.941 – DF : relatoria do Min. Carlos Velloso.
A instabilidade de decisões não se coaduna com o princípio da segurança jurídica que visa uma estabilidade e previsibilidade dos atos estatais, sendo correto que o mérito do recurso repetitivo trata, na essência, da existência de perícia viável à constatação do dano, é dizer, da existência de um ressarcimento confirmado legalmente, diferentemente da discussão da quantia devida em si – “quantum debeatur”.

Não obstante, fora confirmada a tese de impossibilidade de dano hipotético, já que a lei fornece parâmetros para a fixação do açúcar e álcool, sendo correto ainda, a necessidade de verificação da contabilidade da empresa (usina) para fixar o prejuízo. Uma digressão possível, na espécie, seria a possibilidade de uma nova apuração dos prejuízos das usinas em geral (com e sem documentos contábeis) com o fim de não cometer “injustiças” às usinas que não possuem documentos da época após quase 4 décadas de discussão judicial.

É certo, entendemos, que não podemos impor ao Estado um dever de indenizar sem a constatação do real dano causado, mas sabemos também, que, tampouco é correto, impedir o ressarcimento de usinas que não podem, nesse estágio da lide, comprovar o real dano causado pela própria mora estatal. A duração razoável do processo não fora acrescentada na Carta Maior por acaso, mas sim fruto de uma conquista cidadã de prestação jurisdicional digna.
A quantificação do valor devido é demonstrada no processo, ainda que de forma geral, através de parâmetros legais, ou seja, da discrepância de custo de produção das usinas versus tabelamento de preços exigidos pela União Federal e constatações de valores ditos como mínimos pela Fundação Getúlio Vargas. A quantificação mínima é existente.

Outra discussão resolvida no presente recurso no STJ, é acerca da apreciação do presente recurso na sistemática dos recursos repetitivos, frente a decisão já proferida pelo STF sobre o ressarcimento das usinas no RE 422.941 – DF : relatoria do Min. Carlos Velloso. O STJ concluiu que o julgado da Suprema Corte não tratou da quantia devida em si, mas tão somente do direito de ressarcimento nos termos do art.37 § 6º da Constituição Federal, que estabelece a responsabilidade objetiva do Estado quando dos danos causados por este, ou quem lhe faça as vezes, aos terceiros.

Um ponto que fora pacificado mas que deve ser analisado com enfoque do princípio da segurança jurídica é a possibilidade de reversão de entendimento do Pleno do STJ através de jurisprudência pacificada face a novo julgamento através de recurso repetitivo; o último, deveras pacifica as controvérsias sobre o tema objeto da lide, inclusive com a possibilidade de mudança da jurisprudência dominante da Corte sobre o tema de ressarcimento das usinas. Todavia, o tema já firmado e modificado de forma repentina com o julgamento do RESP nº. 1.347.136 – DF, causa dúvidas sobre a viabilidade jurídica da decisão, eis, que um revés criaria um déficit aos cofres públicos. Nessa esteira, no mínimo, existe um “clima” de insegurança jurídica sobre a tratativa do tema.

Contudo, poderíamos entender que existe uma sistemática de resolução de multiplicidade de recursos (art. 543-C do CPC) diferente da jurisprudência dominante da Corte, o que, de fato, é um pouco contraditório. Mas assim fora decidido ao interpretarem o caso sob a égide da teoria do “dano zero”.

A Corte Especial ainda se manifestou pela eficácia da lei 4.870/65 até 31/01/1991 e, que, nos casos em que a ação de conhecimento das usinas é julgada procedente, o quantum da indenização pode ser discutido em liquidação de sentença por arbitramento, em consonância com o art. 475 – C do CPC, se de outro modo não dispuser o título executivo, podendo, inclusive, chegar a dano de valor “zero”.

O que pode ser compreendido nessa análise é que os entendimentos do STJ e STF são aparentemente distintos, eis que a Corte Maior entende que existe possibilidade de indenização das usinas nos casos de fixação de preços, com a fundamentação da responsabilidade objetiva do Estado – mera subsunção do ato à lei (fixação dos preços diferente da norma – RE 422.941; RE 632.644/DF; AG.REG. 631.016), ao passo que o STJ entende que só existiria a indenização, caso as usinas comprovassem o efetivo prejuízo, sob pena de se invocar a tese do “dano zero”, independentemente do descumprimento da lei (RESP nº 1.347.136 – DF), é dizer, na espécie, “ganhou mas não levou”.

Por fim, acreditamos que a segurança jurídica da matéria deve ser evoluída no Supremo Tribunal Federal, com o fim de impedir decisões distintas em casos iguais, mormente pela nova teoria do “dano zero” no caso específico invocada pelo STJ na recente decisão de 02/02/2015, contrária à decisão de 03/02/2015 pela primeira Turma do STF que reiterou o entendimento favorável às usinas sucroalcooleiras no sentido de ressarcimento devido diante da fixação de preços em valores abaixo da realidade de mercado.

Autor:
ARTUR RICARDO RATC. Advogado.
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Museu Social Argentino, pós-graduação em Direito Administrativo pela PUC/SP, especialista em Direito Constitucional, Tributário, Direito Processual Civil pela UNISUL e Ciências Processuais pela UNAMA. Membro da Comissão de Contribuintes da OAB/SP. Professor dos cursos de Extensão e Pós-Graduação da ESA/SP – Escola Superior da Advocacia.

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