O direito fundamental à boa administração, de origem europeia e que vem sendo aplicado no Brasil, exige, além da observância do contraditório e do devido processo legal, também o respeito à publicidade e transparência dos atos administrativos, ressalvadas apenas as hipóteses legalmente previstas de sigilo.
Com esse entendimento, o juiz federal da 14ª Vara Cível no Rio de Janeiro Júlio Emílio Abranches Mansur concedeu liminar em mandado de segurança impetrado pela seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil e determinou que a Delegacia da Receita Federal no Rio, que também abrange o Espírito Santo, publique previamente as pautas de julgamentos administrativos e admita a presença de contribuintes e seus advogados nas sessões de julgamento.
A questão foi inicialmente levada ao Judiciário pela OAB-RJ, posteriormente seguida pelas entidades de Minas Gerais, Santa Catarina, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Distrito Federal. A seccional carioca chegou a obter uma liminar favorável, mas o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES) reverteu a decisão.
O mandado de segurança foi elaborado pelo presidente da Comissão Especial de Estudos Tributários da OAB-ES, Henrique da Cunha Tavares, com ajuda do presidente dessa seção da OAB-RJ, Maurício Faro, e fortalecido por um parecer do professor de Direito Tributário da FGV-SP Eurico Marcos Diniz de Santi. Na ação constitucional, eles pedem a publicação, no Diário Oficial, de todos os julgamentos, a permissão para que contribuintes e advogados assistam às sessões de julgamento e que estes possam entregar memoriais, fazer sustentações orais, requisitar produção de provas e participar de debates em tais eventos.
Mansur fundamentou sua decisão no direito fundamental à boa administração, estabelecido no artigo 41 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Esse dispositivo garante que qualquer pessoa possa ser ouvida antes que seja tomada uma decisão estatal que a prejudique e que tenha acesso integral aos processos nos quais está envolvida. Segundo o juiz federal, esse princípio superou o da supremacia do interesse público, baseando-se na prevalência dos interesses da cidadania e na revalorização do contraditório. De acordo com ele, a fim de respeitar tal garantia, a administração pública deve agir de maneira transparente, que permita o acesso a informações e o controle geral pela sociedade.
Com base nessas premissas, Mansur verificou a presença do fumus boni iuris, já que os princípios do contraditório, ampla defesa e publicidade e transparência dos atos administrativos não estão sendo respeitados. Além disso, constatou o periculum in mora, uma vez que “sem a regularização dos procedimentos os julgamentos administrativos continuarão eivados de vícios que podem comprometer não apenas os interesses dos administrados, mas também da própria administração”.
Dessa forma, o juiz federal deferiu parcialmente a liminar e ordenou que a Receita Federal no Rio e no Espírito Santo atenda às reivindicações da OAB-ES. O único pedido da entidade que Mansur não aceitou foi o de fazer sustentação oral, algo que, a seu ver, depende de expressa autorização legal, visto que nem todos os recursos aceitam tal procedimento.
A União interpôs agravo de instrumento contra essa decisão, mas o recurso foi indeferido no TRF-2 pelo juiz federal convocado José Eduardo Nobre Matta. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional também quer que os efeitos da decisão se estendam apenas ao Espírito Santo, e não ao Rio.
Vitória em Rondônia
A seccional de Rondônia da OAB também obteve decisão que ampliou o acesso dos advogados aos procedimentos da Receita Federal. Uma liminar em mandado de segurança proferida pelo juiz federal Dimis da Costa Braga, da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do estado, garantiu aos advogados acesso imediato e irrestrito à vista e retirada em carga dos autos de processos administrativos, independentemente de a procuração e os documentos pessoais do contribuintes estarem autenticados, bem como o atendimento sem a necessidade de prévio agendamento na Delegacia da Receita Federal em Porto Velho.
Em sua decisão, o juiz federal entendeu que a apresentação do instrumento de mandato devidamente assinado pelo outorgante, acompanhado de cópia simples de seu documento de identificação, é o suficiente para assegurar o acesso aos autos de processos administrativos fiscais pelo procurador, que pode, por força de lei, retirá-los em carga e obter cópias.
Braga destacou a Portaria RFB 1880/2013, a qual disciplina que somente nos casos de fundada dúvida acerca da autenticidade da assinatura, quando, por exemplo, aquela aposta na procuração for totalmente divergente da que consta na identidade, é que poderia o servidor exigir o reconhecimento de firma, como determinado no artigo 1º, inciso I, da norma — ou mesmo em situação que haja dúvida fundada quanto à identidade do advogado apresentante.
Outro pedido da OAB-RO deferido na liminar foi o fim da exigência da Receita Federal de Porto Velho para o preenchimento de formulário específico e prévio agendamento para o acesso dos profissionais quando do pedido de vista e retirada em carga de autos de processo administrativo fiscal.
O juiz federal observou que “a restrição a direito legalmente outorgado ao advogado não se justifica como forma de zelar pela boa e eficiente administração, pois cabe aos órgãos públicos, em geral, organizar-se de forma a prestar o mais amplo atendimento possível. Assim, mostra-se lesivo ao direito líquido e certo dos advogados substituídos, ainda que a pretexto de organização do serviço, a restrição ilegal do exercício profissional contemplado pela legislação”.
Para Braga, “não se trata de conferir tratamento privilegiado ao advogado, em ofensa aos princípios da separação dos poderes, isonomia e legalidade, mas de garantir a essa profissão de proeminência com acento constitucional o exercício das prerrogativas da função na tutela de direitos e interesses alheios”.
Derrota em Santa Catarina
No entanto, nem só de vitórias vivem as seccionais da OAB. Nessa semana, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS) indeferiu pedido da entidade catarinense para contribuintes e advogados participarem dos julgamentos de processos administrativos da Receita Federal, de acordo com o jornal Valor Econômico. Os desembargadores afirmaram que não há lei que preveja tal possibilidade.
Essa foi a terceira derrota em segunda instância de seccionais da OAB em ações que discutem essa questão. Em setembro, as ordens do Rio e do Paraná haviam tido recursos indeferidos. Por isso, as entidades estudam levar o caso ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.
Origem fluminense
A OAB-RJ foi pioneira em levar a discussão para a Justiça. No começo de 2014, a instituição impetrou mandado de segurança pedindo o fim dos julgamentos secretos na Receita Federal. Com a ação, a entidade buscava garantir que as pautas de julgamento, com data, local e hora das sessões, fossem disponibilizadas previamente, com livre acesso dos contribuintes e advogados nas sessões de julgamento, entrega de memoriais, sustentação oral, requisição de produção de provas e participação em debates. Segundo a ordem, “não há justificativa jurídica plausível no âmbito de um Estado Democrático de Direito que sustente a lógica das sessões secretas”.
Em novembro, o juiz Firly Nascimento Filho, da 5ª Vara Federal no Rio, proferiusentença parcialmente favorável à OAB-RJ, não aceitando apenas o pedido de sustentações orais. O julgamento foi comemorado pelos advogados, mas não por muito tempo: em dezembro, o desembargador federal do TRF-2 Luiz Antônio Soares concedeu liminar à União e suspendeu os efeitos da decisão de primeira instância. A 4ª turma da corte confirmou a ordem de Soares em setembro.
Fonte: ConJur – 23/10/2015.