Fabricante de tubulações precisou ir a juízo para receber por material já entregue para empresa de saneamento que pretendia efetuar pagamento só depois de apresentação de certidão negativa.
Fornecedores do setor público que ficaram inadimplentes com o fisco estão precisando recorrer à Justiça para receber o pagamento por mercadorias que já foram até entregues.
Foi isso o que ocorreu com uma fabricante paulista de tubos plásticos que atende a Empresa Baiana de Aguas e Saneamento (Embasa). Após a entrega de cerca de R$ 60 mil, a empresa pública apontou que só efetuaria o pagamento após a apresentação da certidão negativa de débitos tributários (CND).
Para poder receber, a fabricante submeteu o caso à Justiça do Estado da Bahia, que logo proferiu decisão favorável mas ainda provisória, em razão da urgência do caso. “Os documentos demonstram o inequívoco direito da parte autora à pretendida tutela”, disse a juíza de direito Indira Fábia dos Santos Meireles, da 1ª Vara Cível e Comercial de Salvador.
Ainda na decisão provisória, ela determinou que a empresa de saneamento deveria deixar de exigir a apresentação de certidões negativas tanto para a fatura que foi objeto da discussão como para futuras cobranças.
O advogado que representou a fabricante paulista, também sócio do LCSC Advogados, Luiz Gustavo Rodelli Simionato, destaca que é natural e corriqueiro que os órgãos públicos exijam que os participantes de um processos de licitação comprovem sua regularidade fiscal por meio de apresentação da CND.
“Mas uma coisa é exigir regularidade [como condição] para participar de licitação. Outra coisa é exigir regularidade de quem já venceu a licitação e inclusive prestou o serviço”, afirma o advogado.
No caso concreto, ele explica que a empresa tinha de fato a regularidade fiscal no momento em que venceu o processo de concorrência pública, que ocorreu em forma de pregão eletrônico. “Mas no decorrer do contrato, a empresa foi tragada pela crise e passava por um momento de inadimplência de tributos”, reforça ele.
Na visão de Simionato, cujo escritório é também dedicado para empresas em recuperação, trata-se de uma situação que pode estar prejudicando um grande número de empresas que venceram as licitações, mas perderam a regularidade.
Jurisprudência
Apesar de órgãos públicos de várias regiões do País insistirem em negar o pagamento aos fornecedores sem CND, o entendimento predominante no Judiciário é que essa prática não tem sustentação legal.
“Apesar da exigência de regularidade fiscal para a contratação com a Administração Pública, não é possível a retenção de pagamento de serviços já executados em razão do não cumprimento da referida exigência”, afirma o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Benedito Gonçalves.
Se o pagamento fosse negado, Gonçalves também aponta que isso resultaria em “enriquecimento ilícito da Administração” e “violação do princípio de legalidade”, já que a hipótese de retenção do pagamento não está entre as punições estipuladas pela legislação de licitações (8.666/1993).
Simionato explica que, conforme o artigo 87 da lei, o órgão público poderia aplicar advertência, multa, suspensão temporária ou até impedir a empresa de participar das licitações. “Mas nunca poderia aplicar como sanção a retenção do pagamento”, afirma. Em vez de aplicar qualquer das punições previstas em lei, contudo, a empresa de saneamento continua fazendo novos pedidos à fabricante sem CND.
Mesmo diante de jurisprudência favorável, o advogado conta que a fornecedora de tubos também enfrenta a mesma negativa de pagamento em contrato realizado com órgãos públicos do Estado do Espírito Santo. E no caso da Bahia, mesmo com a decisão favorável, a fabricante de tubos ainda não conseguiu receber os valores aos quais tem direito.
“Ingressamos com a ação em junho. A decisão [favorável] é de julho. Agora em setembro a fabricante vai completar três meses sem receber”, diz Simionato, que agora está pedindo à Justiça a aplicação de multa diária por descumprimento da decisão. “Infelizmente essa situação de irregularidade fiscal têm assolado a grande maioria das empresas em crise. É algo corriqueiro.”
Roberto Dumke
Fonte: DCI – 06/09/2016 .