Com a Instrução Normativa 1.571, de julho de 2015, a Receita Federal do Brasil disciplinou uma nova obrigação acessória, denominada e-Financeira, que trouxe a obrigatoriedade aos bancos, seguradoras, corretoras de valores, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, administradores de consórcios e entidades de previdência complementar de reportarem as informações relativas às operações financeiras de seus clientes, sejam pessoas físicas ou jurídicas.
Essa nova obrigação acessória também tem o condão de atender as regras do Fatca (Foreign Account Tax Compliance Act), tendo em vista a aprovação do Acordo de Cooperação Intergovernamental, conhecido como IGA, firmado entre o governo brasileiro e o norte-americano, e deverá ser transmitida ao ambiente do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped).
Acontece que, pela nova regra, as pessoas jurídicas obrigadas à entrega da e-Financeira, sobretudo as instituições financeiras, deverão informar à Receita Federal qualquer movimentação mensal acima de R$ 2 mil feita por pessoas físicas ou R$ 6 mil, no caso de pessoas jurídicas, com início já para os fatos geradores ocorridos em dezembro de 2015, cuja entrega inicial está prevista para o último dia útil de maio de 2016.
Dentre as informações que devem ser prestadas na e-Financeira estão o saldo no último dia útil do ano de qualquer conta de depósito, inclusive de poupança, somatórios mensais a crédito e a débito de aplicações financeiras, rendimentos brutos mensais, aquisições de moedas estrangeiras, valor de créditos disponibilizados ao cotista, acumulados anualmente, mês a mês, por cota de consórcio, dentre outras.
Complementando as informações financeiras, a e-Financeira trará demais dados das pessoas físicas ou jurídicas, tais como nome, nacionalidade, residência fiscal, número da conta ou equivalente, individualizados por conta ou contrato na instituição declarante, CPF, CNPJ, número de identificação fiscal no exterior (NIF), quando houver, além do CPF ou do CNPJ e endereço de qualquer pessoa autorizada a movimentar as contas, inclusive representantes legais.
Assim, mesmo havendo previsão na referida norma de que é vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a origem ou o destino dos recursos utilizados nas operações financeiras, resta claro que a Receita terá praticamente todas as informações de movimentações mensais das pessoas físicas ou jurídicas, que permitirá cruzamentos internos de informações, para averiguar eventuais inconsistências com as informações prestadas nas declarações remetidas a ela.
O acesso às informações de movimentações financeiras dos contribuintes por parte da Receita Federal é uma situação antiga e muito questionada pelos contribuintes, desde a instituição da CPMF e, posteriormente, com a extinção da CPMF, e instituição da Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira (Dimof), já que em ambos os casos era possível obter informações sobre a movimentação financeira dos contribuintes.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a constitucionalidade da Lei Complementar 105/2001, que permite à Receita Federal acessar informações bancárias dos contribuintes, sem que haja autorização judicial para tanto. Assim, bastará apenas a abertura de procedimento fiscal para que as autoridades fiscais tenham todo acesso às informações financeiras dos contribuintes.
O fato é que, novamente, na ânsia de arrecadar e de buscar eventuais argumentos para infrações fiscais, a Receita extrapola os limites constitucionais e obriga as instituições a enviar de fato o sigilo financeiro, por meio da e-Financeira, contendo as movimentações mensais de praticamente todos os contribuintes, criando assim um Big Brother digital, ou seja, um modelo de reality show fiscal, onde as informações financeiras dos contribuintes são entregues de bandeja às autoridades tributárias, sem que haja qualquer autorização judicial para tal quebra de sigilo financeiro dos contribuintes.
O sigilo financeiro do contribuinte não se resume à informação da origem e destino dos recursos utilizados nas operações financeiras, mas qualquer informação componente da relação entre o contribuinte e a outra entidade, seja ela banco, seguradora, corretora de valores, distribuidora de títulos e valores mobiliários, administradora de consórcios ou entidade de previdência complementar.
Isso posto, diante da obrigatoriedade de cumprimento da obrigação acessória de entrega da e-Financeira pelas instituições financeiras e demais entes, resta aos contribuintes apenas adequar-se o quanto antes aos novos cruzamentos eletrônicos, prestando as informações na declaração do Imposto de Renda, para as pessoas físicas, e na Escrituração Contábil Fiscal, no caso de pessoas jurídicas, de forma correta e precisa, visando evitar que possíveis inconsistências entre as movimentações bancárias e os rendimentos, bens e direitos declarados possam ensejar questionamentos pelas autoridades fiscais.
Certamente, na ocorrência de qualquer conflito entre as informações, será deflagrada uma fiscalização, onde o primeiro passo é a solicitação dos extratos bancários do contribuinte pelas autoridades tributárias, sendo que a não apresentação desses pode ser interpretada como eventual presunção de sonegação fiscal, tendo como consequência uma provável lavratura de autos de infração fiscal.
Marcello Maurício dos Santos é sócio do escritório Chiarottino e Nicoletti Advogados.
Elcio Ghioto Filho é advogado da área tributária do escritório Chiarottino e Nicoletti Advogados.
Fonte: Consultor Jurídico – 04/02/2016.