Mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) há mais de 50 anos tenha se posicionado de modo contrário ao uso de meios coercitivos para a cobrança de imposto, ainda hoje contribuintes paulistanos podem ser impedidos de operar em razão de inadimplência.

A Prefeitura de São Paulo tem aplicado dispositivos da Instrução Normativa 19/2011 da Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico e da Subsecretaria da Receita Municipal (Surem) para punir os devedores. De acordo com a normativa, a empresa que ficar inadimplente no município de São Paulo por quatro meses consecutivos ou seis meses alternados terá a autorização para emitir nota fiscal suspensa, ficando ainda impedida de operar.

Foi o que ocorreu no começo do ano com uma construtora que devia cerca de R$ 1 milhão em Imposto sobre Serviços (ISS) ao município, conta o especialista do Ferraz de Camargo e Bugelli Advogados, Daniel Rapozo, defensor da empresa.

Ele explica que hoje em dia só é possível emitir nota fiscal em meio eletrônico, mas se a empresa está em débito com o fisco há alguns meses, a emissão fica travada e a empresa não consegue mais usar o sistema. “É um tentativa de forçar quem já está endividado a assumir um parcelamento para continuar prestando serviço. É um absurdo”, afirma o advogado.

Esse bloqueio, segundo ele, afeta mais as empresas cujas atividades estão concentradas na prestação de serviço e recolhem uma parcela grande de tributos ao fisco municipal. Além da construção civil, seriam também os casos de empresas de tecnologia, hotelaria, serviços financeiros, limpeza e conservação, transporte intermunicipal e outros.

Entendimento

Impedir a empresa de emitir nota fiscal, na visão do Judiciário, é um ato coercitivo. “A restrição é coerção não permitida pelo ordenamento jurídico, especialmente quando, como no caso, a atividade da empresa se inviabiliza após a restrição”, destacou a juíza da 12ª Vara de Fazenda Pública da Justiça de São Paulo, Maria Fernanda Rodovalho, que julgou o caso da construtora.

A magistrada também descartou os argumentos do fisco no sentido de que após a suspensão da emissão das notas fiscais a empresa poderia reter o ISS e continuar no mercado. Maria Fernanda considerou ainda que “o excesso normativo” já foi reconhecido pela jurisprudência em outras oportunidades.

Rapozo também aponta que no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) existem muitas decisões favoráveis nas câmaras específicas, que julgam esse tipo de ação. Apesar disso, ele observa que nem sempre o contribuinte tem conhecimento da posição do Judiciário e, sem recorrer ao advogado, pode acabar impedido de operar.

O advogado também conta que há algumas súmulas (entendimentos pacificados) sobre o assunto no STF. A de número de 70, por exemplo, editada em 1963 e válida até hoje, diz que “é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”. A de número 547, de 1969, aponta que “não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais”.

Na visão dele, a normativa municipal ofende princípios constitucionais como a garantia do desenvolvimento nacional, o livre exercício da profissão e a livre iniciativa e concorrência. Além do mais, Rapozo acredita que a Fazenda paulistana teria meios apropriados para fazer a cobrança dos débitos, como as execuções fiscais.

Procurada, a Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico informou, em nota, que conforme a Lei Municipal 13.701/2003 o tomador do serviço é responsável pelo ISS e deve reter e recolher o seu montante quando o prestador obrigado a emitir a nota fiscal não o fizer.

Assim, nos termos da legislação do município de São Paulo, a suspensão da emissão da nota fiscal não impediria ou limitaria o exercício da atividade do prestador de serviços, uma vez que caberia ao tomador declarar o serviço e reter na fonte o valor do ISS devido.

Na visão das autoridades municipais, a normativa não fere o direito do prestador de serviços de exercer sua atividade, uma vez que, ao atribuir a responsabilidade ao tomador de serviços, a própria estabelece outra forma de recolhimento do imposto.

Roberto Dumke

 

Fonte: DCI – LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS – 29/06/2016.

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