O Partido Socialista Brasileiro ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Medida Provisória 685/2015, que obriga empresas a informar a Receite Federal sobre seus planejamentos fiscais. O pedido foi protocolado nesta quarta-feira (19/8) e foi distribuído ao ministro Luiz Fux.
De acordo com o partido, a obrigação de informar o planejamento fiscal é “uma medida extremamente autoritária que fere uma série de garantias constitucionais”. A legenda pede para que o Supremo conceda liminar para suspender os efeitos da MP, já em vigor, e declare a inconstitucionalidade do mérito da regra. A ação é assinada pelo advogado Rafael Araripe Carneiro, do Carneiro e Silva Neto Advogados.
A Medida Provisória foi editada pelo governo federal em julho deste ano, como uma das medidas para reforçar o caixa da União. Ela cria um programa de redução de litígios tributários (Prorelit), por meio do qual contribuintes que estão em disputas judiciais fiscais podem desistir delas e assumir a dívida em troca de parcelamento do valor.
Mas é entre os artigos 7º e 13 que a medida trata do planejamento fiscal. Os dispositivos obrigam os contribuintes que tiverem feito planejamentos fiscais cujos propósitos não tenham “razões extratributárias relevantes” a informar a Receita de seus movimentos.
O governo explica que a MP traduz para a realidade brasileira uma das ações propostas pela OCDE para combater a “erosão fiscal”. Entre essas medidas, está o combate ao “planejamento fiscal abusivo”.
Tributaristas criticam a regra por ela ter criado uma série de obrigações acessórias sem definir exatamente o que é planejamento fiscal abusivo. Para especialistas, o Fisco está querendo tributar a elisão fiscal, jargão que significa usar dos meios legais e legítimos para pagar menos impostos.
Até agora, não existe definição do que pode considerado elisão e o que deve ser tratado como evasão. As teses ainda causam conflito no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf).
De fato e de direito
Para o PSB, a MP incorre em vício formal, por tratar de assunto que não é urgente, e material, por tratar de matéria penal e processual penal, o que é proibido às medidas provisórias.
De acordo com o partido, o trecho da norma que fala em planejamento fiscal “prejudica gravemente as atividades empresárias ao obrigar o contribuinte a indicar seu planejamento tributário em situações subjetivas e genéricas, como razões extratributárias relevantes, forma não usual, dados essenciais para a compreensão do ato ou negócio jurídico”.
Outra inconstitucionalidade apontada pelo PSB é a parte que trata das punições para quem deixar de informar seus planejamentos. A Medida Provisória, diz o partido, cria a “presunção do dolo”: diz o artigo 11 da MP que a omissão de informações prestadas à Receita será tratada como “omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou fraude”.
Isso quer dizer que quem não prestar contas ao Fisco da maneira que a Fazenda entende ser correta, será tratado como sonegador fiscal e está sujeito a uma multa de 150% sobre o valor da autuação. Como sonegação fiscal é crime tributário, o PSB afirma que a MP trata de matéria penal e processual penal. Além de ofender “a presunção de inocência, a ampla defesa e o contraditório, o devido processo legal e a vedação do confisco”.
Tramitação natural
A MP já está em vigor, mas também está em discussão pelo Congresso. Entre os dias 22 de julho e 8 de agosto deste ano, a Medida Provisória recebeu 215 emendas. Muitas delas se repetem, mas algumas dezenas pedem a supressão dos artigos 7º a 13 da MP – justamente os que o PSB entendem ser inconstitucionais.
Um dos primeiros autores de emenda supressiva é o deputado federal Bruno Covas (PSDB-SP). Segundo ele, “[a obrigação] imposta ao contribuinte, de informar qualquer negócio jurídico que porventura possa ser interpretado como planejamento tributário abusivo, faculta à autoridade competente desconstituir a operação ao seu alvedrio e exigir os tributos que sejam supostamente devidos”.
Além do PSB e do PSDB, parlamentares do Democratas também reclamaram da obrigação de informar o planejamento fiscal. Para o deputado Pauderney Avelino (DEM-AM), por exemplo, esse trecho da MP “traz incertezas aos contribuintes”. “Ao invés de se servir de conceitos sobre planejamento tributário estabelecidos pela doutrina e pela jurisprudência, a MP utiliza conceitos novos e vagos, além de permitir que a Receita Federal, discricionariamente, defina quais operações serão consideradas potencialmente elisivas.”
Relações amigáveis
Um dos defensores da Medida Provisória é o tributarista Heleno Taveira Torres, professor de Direito Financeiro da USP. Segundo ele, a norma trata do “dever de transparência” das relações entre contribuintes e Fisco.
Heleno explica que a MP dá segurança jurídica ao ambiente de negócios, pois as empresas, ao consultarem a Receita sobre que tipo de planejamento podem ou não fazer, não são surpreendidas por autuações fiscais bilionárias. O advogado também afirma que a nova regra reduz os custos do litígio tributário, tanto para o governo quanto para as empresas.
Em artigo publicado na ConJur, Heleno argumenta que, por se tratar de uma recomendação da OCDE, muitos países já têm medidas do tipo, ou estão no processo de implantá-las. “Uma condição fundamental para favorecer a competitividade e promover uma concorrência equilibrada entre empresas nacionais e estrangeiras.”
O tributarista apenas critica o artigo 12. Ele considera que o dispositivo considera todo e qualquer contribuinte que não informe seus movimentos ao Fisco sonegadores e, portanto, criminosos.
Para Heleno Torres, seria preciso mudar a redação do artigo para diferenciar a punição e o tratamento para situações diferentes. “Não dá para assumir que o contribuinte que esqueceu, ou que desconhecia determinada exigência burocrática, agiu de má-fé, ou é um sonegador contumaz”, disse à ConJur.
ADI 5.366
Fonte: Consultor Jurídico – Pedro Canário – 20/08/2015.