Contribuintes têm conseguido, na Justiça, a redução de multas aplicadas pela Fazenda paulista em valores bem acima do próprio imposto devido. Há pelo menos duas decisões recentes nesse sentido, uma da 1ª e a outra da 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ¬SP).
O entendimento dos desembargadores, em ambos os casos, é que o montante correspondente às penalidades, se superior ao valor do tributo, adquire natureza confiscatória.
O posicionamento do Judiciário levou o Estado a iniciar a revisão da própria legislação. As multas, em São Paulo, costumam ser altas porque o regulamento do ICMS estabelece porcentagem correspondente ao valor da operação e não sobre o imposto devido o que explicaria a existência de multas que superam em mais de 400% o valor do tributo.
Segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE), há um projeto, ainda embrionário, de aprimoramento das normas relativas à imposição de multas e penalidades. “Estamos colhendo as posições para elaborar uma proposta”, informou o órgão, por meio de nota, sem adiantar como ficarão os percentuais. Trata-se de um trabalho conjunto com a Secretaria da Fazenda (Sefaz) e tem em vista o cumprimento das metas do programa “litigar menos e melhor”, instituído pela Resolução PGE nº 25, de novembro do ano passado.
Especialistas, no entanto, apostam que a readequação será nos moldes do que já vem decidindo o Judiciário: multas de, no máximo, 100% sem ultrapassar o montante do imposto devido. Em um dos julgados recentes no TJ-SP, as penalidades superavam em 300% o imposto cobrado do contribuinte. O débito, numa das situações expostas no processo, era de R$ 89 mil e havia multas de mais de R$ 300 mil. Esse caso envolveu um contribuinte com dívidas de ICMS que aderiu com o valor original da autuação ao Programa Especial de Parcelamento (PEP) do governo.
Os desembargadores da 1ª Câmara reduziram as multas a 100%, para que não ultrapassassem o valor do imposto. Eles determinaram o recálculo da dívida e decidiram que os benefícios do programa (desconto em juros e multas) teriam de incidir sobre esse novo montante.
“Pedimos para manter o parcelamento, mas com os valores ajustados”, diz o representante do contribuinte no caso, Thiago Laguna, do escritório Laguna Manssur Sociedade de Advogados. Os desembargadores, neste caso, também reduziram os juros ao patamar da taxa Selic. Com as readequações, segundo o advogado, o valor das parcelas devidas pelo contribuinte caiu quase que pela metade.
Em um outro processo, julgado pela 8ª Câmara, a multa superava em 400% e os desembargadores determinaram que fosse reduzida ao patamar de 50% da base de cálculo representada pelo tributo em questão. O caso envolvia uma empresa do setor automotivo, autuada por transportar produto com nota fiscal incompleta (sem data de emissão de saída).
O relator do caso, o desembargador Antonio Celso Faria afirmou, no acórdão, que a multa tem de cumprir a sua função de desencorajar a elisão fiscal, mas, ao mesmo tempo, não pode ser aplicada em valores que lhe confiram característica confiscatória ¬ o que inviabilizaria o recolhimento de futuros tributos.
“O Fisco paulista tem abusado e muito. Outros casos em que atuamos têm percentuais ainda maiores, de até 600%”, diz o advogado Augusto Fauvel, que representou a empresa no caso. Além do confisco, ele argumentou, no processo, que as multas, da maneira como foram aplicadas, afrontam os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
De acordo com especialistas, não é só em São Paulo que isso acontece. Na legislação federal além de praticamente todas as outras estaduais também há multas que superam o percentual de 100%. No caso da União, por exemplo, as penalidades começam em 75% por sonegação fiscal, podendo chegar a 225% se o contribuinte criar “embaraço à fiscalização”.
Para o advogado Júlio de Oliveira, sócio do Machado Associados, essa conta pode acarretar débitos impagáveis. “Tem potencial para quebrar uma empresa”, diz. “Imagine uma dívida de R$ 10 milhões, por exemplo. Essa multiplicação de juros e multas, que não existe em mercado nenhum do mundo, pode transformar esse débito, passados cinco anos, em R$ 80 milhões”.
O advogado destaca ainda que já há decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que as multas punitivas não devem ultrapassar o valor do imposto devido. Um dos julgados mais recentes, pela 1ª Turma, tratou de um recurso envolvendo a transportadora Akamebu Transportes de Goiás, multada pela Fazenda Estadual em 120%. A empresa tinha créditos de ICMS e os utilizou na compensação de débitos com o Estado. A autuação se deu porque o Fisco não reconheceu esse crédito.
Em 2008, o valor original devido pela companhia era de cerca de R$ 772 mil. Em 2013, último cálculo realizado, já estava em R$ 2,7 milhões. Do total, R$ 1,6 milhão correspondia às multas.
Fonte: Portal Contábeis – 16/08/2016 .