Um decisão liminar do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) aponta que o uso de imóvel de família como garantia de financiamentos está sendo colocado em xeque até mesmo no regime de alienação fiduciária, que seria o mais favorável às instituições bancárias.
No caso analisado pela 17ª Câmara Cível TJPR, o problema apurado foi que o empréstimo não foi adquirido pela família. “Trata-se de imóvel oferecido em garantia fiduciária por terceiros para garantir financiamento que aparentemente não beneficiou a entidade familiar”, disse o desembargador Fernando da Silva Wolf Filho.
Nessa situação, o imóvel estaria protegido pela impenhorabilidade a que se refere a Lei 8.009/1990. “Esse fato era, ou ao menos deveria ser, de conhecimento das instituições financeiras agravadas, que assumiram o risco ao estabelecer essa peculiar espécie de garantia – alienação fiduciária prestada por terceiros”, apontou Wolf Filho.
Apesar de a decisão ainda ser provisória, o magistrado citou precedentes da mesma câmara que trilhavam raciocínio igual. No primeiro deles, consta que a exceção da impenhorabilidade do artigo terceiro e inciso quinto “não se aplica quando o empréstimo foi feito por pessoa jurídica, terceira em relação ao imóvel dado em garantia, sem qualquer benefício para a entidade familiar”.
A advogada Natalia Brotto, que representou os devedores no processo analisado pela Câmara, observa que no caso concreto trata-se de um empresário do ramo de construção que precisava de um empréstimo para salvar a empresa e acabou oferecendo como garantia o imóvel onde morava o pai. “No dia a dia isso muitas vezes acontece. Pega-se o imóvel do irmão, do pai para viabilizar o financiamento”, revela.
Modalidade
Na opinião dela, o que chama a atenção é que o argumento da impenhorabilidade do bem de família foi trazido para um empréstimo no regime de alienação fiduciária. Nesse modelo, a instituição financeira não precisa nem mesmo ir à Justiça para leiloar o bem, tudo ocorre dentro o âmbito extrajudicial.
As decisões no sentido de proteger o imóvel de família, conta ela, normalmente são proferidas nas discussões de hipoteca, que por definição dependem de procedimento judicial formal, com etapas como o ajuizamento da execução, citação, apresentação de embargos, entre outros. “Na alienação fiduciária é tudo direto. Se você não paga, o bem já vai para leilão. Não precisa nem de juiz”, afirma Natalia.
O sócio do Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados, Armando Moraes, destaca que a alienação fiduciária foi criada pela Lei 9.514/1997 com o objetivo de expandir o crédito imobiliário e possibilitar a aquisição da casa própria.
Desse modo, ele aponta que quando o mecanismo jurídico é distorcido surge espaço para interpretações diferenciadas. No caso, a distorção seria não utilizar o empréstimo em favor da entidade familiar. “Houve erro na forma como o crédito foi concedido”, acrescenta.
Se esse posicionamento se firmasse no Judiciário, tanto ele quanto Natalia apontam que isso traria consequências muito graves para o setor bancário, inclusive com impactos sobre o custo dos empréstimos. Mas na visão de Moraes, mesmo se a liminar fosse confirmada pela sentença do primeiro grau e por decisão na segunda instância, as chances de êxito são poucas no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na visão do advogado, os entendimentos do tribunal superior têm valorizado bastante o cumprimento de contratos. “Por que o País tem juros tão altos? Por que o crédito bancário é muito oneroso? É porque existe muita gente que não paga os juros e não cumpre os contratos. E o Judiciário acaba sendo muito lento e profere decisões muito conflitantes em relação ao cumprimento das obrigações”, diz Moraes.
Natalia também aponta que os bancos já estão cada vez mais alertas sobre o uso de bens de família como garantia. “Já é algo que está sendo aceito só em último caso, apenas se o cliente não tiver mais nada.”
Roberto Dumke
Fonte: DCI – LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS – 12/09/2016.